A cerimônia de posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil, no Palácio do Planalto, em Brasília, teve uma confusão logo no início. Depois da assinatura do termo de posse e de a presidente Dilma Rousseff (PT) iniciar seu discurso dizendo "bom dia", o deputado federal Major Olimpio (SD-SP), da oposição, gritou "vergonha".
Leandro Prazeres/UOL
Deputado Major Olimpio (SD-SP)
Políticos presentes se revoltaram e responderam com o grito de "não vai ter golpe". Olimpio foi retirado do local por seguranças. "Fui empurrado e agredido por pessoas que estavam participando da cerimônia. É uma vergonha usar o ministério para salvo conduto e para se safar da justiça. É uma vergonha. A presidente não manda em nada. Não coordena nada. Eu vim à posse para dizer em nome do povo brasileiro que é inadmissível colocar o Lula como ministro por medo de um juiz", afirmou o parlamentar ao deixar o Planalto.
A posse de Lula foi suspensa por uma decisão liminar do juiz federal Itagiba Catta Preta Neto. A decisão acolhe denúncia em ação popular protocolada na Justiça Federal do Distrito Federal, contra o governo, por crime de responsabilidade. O governo vai recorrer.
A nomeação de Lula, investigado na operação Lava Jato, tem sido alvo de protestos no país desde a noite de quarta-feira (16). Como ministro, Lula só pode ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), e não pelo juiz Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná.
Dilma foi aplaudida de pé durante o discurso. Lula não discursou. Além de Lula, Dilma deu posse nesta quinta-feira (17) a Eugênio Aragão como ministro da Justiça e a Mauro Lopes como secretário de Aviação Civil. Jaques Wagner, ex-ministro-chefe da Casa Civil, assume a chefia de gabinete pessoal da Presidência da República. Wagner não conseguiu se deslocar da Bahia para Brasília a tempo de participar da cerimônia. (Com Estadão Conteúdo
BRASÍLIA - Minutos depois da cerimônia no Palácio do Planalto, o juiz Itagiba Catta Preta, da 4ª Vara Federal de Brasília, concedeu nesta quinta-feira liminar para suspender a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na chefia da Casa Civil. Para o magistrado, a questão é “complexa e também grave”, porque pode configurar crime de responsabilidade por parte da presidente Dilma Rousseff. Segundo o juiz, a presidente teria usado o cargo com o único propósito de transferir o foro responsável por conduzir as apurações contra Lula. Ele era investigado pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba, e agora o caso será enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A medida tem alcance nacional e foi decidida por risco ao exercício do Judiciário. Tem aplicação imediata e, se houver recurso, o mérito vai ser decidido pelo TRF-1ª Região. A Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer.
“(A posse) implica na intervenção direta, por ato da excelentíssima senhora presidente da República, em órgãos do Poder Judiciário, em deslocamento de competências. E este seria o único ou principal móvel da atuação da mandatária – modificar a competência, constitucionalmente atribuída, de órgãos do Poder Judiciário. Ato presidencial que, ao menos em tese, é de intervenção no Poder Executivo, no exercício do Poder Judiciário. Ato que obsta ou é destinado a obstar o seu – do Judiciário – livre exercício”, escreveu o juiz.
Para Itagiba Catta Preta, a posse de Lula no cargo prejudica das investigações da Lava-jato, na medida em que oferece “risco de dano ao livre exercício do Poder Judiciário, da atuação da Polícia Federal e do Ministério Público”. Na decisão, ele anotou: “A posse e exercício no cargo podem ensejar intervenção, indevida e odiosa, na atividade policial, do Ministério Público e mesmo no exercício do Poder Judiciário, pelo senhor Luiz Inácio Lula da Silva”.
O magistrado também declarou que, para seu bom e regular funcionamento, o Poder Executivo não depende da ação direta do ministro-chefe da Casa Civil. Portanto, a liminar não traria prejuízo grave para a administração pública. A decisão foi tomada em uma ação popular ajuizada por um advogado de Porto Alegre, Enio Meregalli Junior.
O PSB entrou com ação no STF pedindo a nulidade da posse de Lula. Segundo o partido, houve utilização indevida do cargo com o mero intuito de modificar o foro adequado para investigar o ex-presidente. "O ato impugnado representa grave ofensa aos preceitos fundamentais do juiz natural, da separação dos poderes e do devido processo legal, na medida em que revela utilização da prerrogativa da Presidente da República de nomear Ministro de Estado com intuito de burlar o sistema de repartição constitucional de competências, subvertendo assim os princípios basilares da República", diz a ação.
Segundo o partido, não se pode manobrar para escolher o juiz que julgará. "Não cabe à parte esta escolha (do juiz)! A escolha – frise-se – é da Constituição da República, por meio da aleatoriedade inerente ao juiz natural. Assim, é essencial que a Suprema Corte afirme a tese de impossibilidade constitucional de modificação do juiz natural através de nomeação para cargos com prerrogativa de foro, que é o que ora se requer".
Ainda segundo a ação, se o Supremo não anular o termo de posse, pelo menos deve manter a ação nas mãos do juiz Sérgio Moro, para evitar a manipulação.
A POSSE
O ex-presidente chegou pouco depois das 8h desta quinta-feira a Brasília, em voo fretado, para a cerimônia de posse, marcada por um duro discurso da presidente Dilma Rousseff contra procedimentos considerados abusivos da força-tarefa da Lava-Jato.
O petista chegou em meio a grande tensão após a divulgação de gravações da Operação Lava-Jato pelo juiz Sérgio Moro de conversas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff que mostram indícios de acerto entre os dois para obstruir a Justiça e prejudicar as investigações, como por exemplo, o envio de um termo preventivo de posse em ‘caso de necessidade’. Há registros de protestos em São Paulo e Brasília contra e a favor a sua nomeação.
A cerimônia que oficializaria o retorno de Lula ao governo estava marcada para a próxima terça-feira, dia 22, mas depois da divulgação da conversa, o governo antecipou a posse para hoje, às 10h. Integrantes da Lava-Jato viram sinais de tentativa de obstrução à Justiça nos diálogos, assim como juristas ouvidos pelo GLOBO.
Junto ao ex-presidente, tomaram posse ainda Mauro Lopes (PMDB-MG) como ministro da Aviação Civil, Jaques Wagner como chefe de gabinete e Eugênio Aragão no posto de ministro da Justiça.
Em meio à crise política, a presidente Dilma Rousseff confirmou nesta quarta-feira a nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil.
Alvo principal da 24ª fase da Operação Lava Jato, chamada Aletheia, Lula ficou sob holofotes desde que foi levado em condução coercitiva a prestar depoimento na Polícia Federal.
As investigações em curso sobre Lula dizem respeito basicamente a três pilares principais: reformas e benfeitorias feitas pela construtora OAS em um tríplex no Guarujá, ocultação de propriedades no nome de terceiros (no caso de dois sítios em Atibaia que teriam sido adquiridos pelo ex-presidente em 2010) e "pagamentos vultuosos" feitos por construtoras beneficiadas no esquema de corrupção na Petrobras em favor do Instituto Lula e da LILS Palestras.
Agora, como ministro, as investigações sobre Lula continuam, mas ganham um novo elemento: o ex-presidente conta com o chamado "foro privilegiado". Mas, na prática, o que isso significa? A BBC Brasil conversou com especialistas em Direito Penal e Constitucional, além de uma ex-promotora de Justiça, para esclarecer a situação.
O que acontece com as investigações que estão em curso?
No cenário atual, as suspeitas seriam tratadas na 13ª Vara Federal de Curitiba sob o comando do juiz Sérgio Moro – a denúncia feita na semana passada pelo Ministério Público de São Paulo foi encaminhada na segunda para Curitiba pela juíza Maria Priscilla Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo.
Mas, com a nomeação de Lula como ministro, tanto a investigação quanto o julgamento do ex-presidente passam para instâncias superiores.
"Com o foro privilegiado, ele passa a ser julgado direto em última instância. Isso significa que todo o processo tem de ser remetido para o Supremo Tribunal Federal, ele (o processo) e todas as provas", afirmou à BBC Brasil o professor de Direito Processual Penal da PUC-SP, Claudio José Langroiva Pereira.
Isso porque, como ministro, Lula passa a ter foro privilegiado. Tudo o que o Ministério Público do Estado de São Paulo já apurou tem validade, mas será remetido aos procuradores da República, de instância federal. O julgamento será feito pelo Supremo Tribunal Federal e não mais pelo juiz Sérgio Moro.
O que é foro privilegiado?
A lei brasileira entende que há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e, em atenção a eles, é necessário que sejam processados por órgãos superiores, de instância mais elevada. Isso porque órgãos superiores teriam maior independência para julgar altas autoridades dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
No caso do presidente da República, dos secretários de governo e dos ministros, por exemplo, o órgão responsável é o Supremo Tribunal Federal, o mais alto do Judiciário.
Quais são as consequências de Lula ser julgado pelo STF?
Com o caso indo direto a julgamento em última instância, isso faz com que o processo para uma eventual condenação ou absolvição seja mais curto. Se Lula fosse julgado na Vara de Curitiba – e se houvesse uma eventual condenação –, ele poderia recorrer em mais duas instâncias, até que o STF desse a decisão definitiva.
Para a advogada e ex-promotora de Justiça do MP de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, o processo será muito mais rápido – como aconteceu com o caso do "mensalão", que também foi julgado pelo STF por envolver parlamentares com foro privilegiado.
"Foi rapidamente resolvido. As pessoas acharam que demorou, mas porque nem todo mundo sabe quanto tempo leva quando inicia na primeira instância. É muito mais rápido quando você começa pelo fim, já que o STF é a última."
O professor da PUC-SP Claudio José Langroiva Pereira concorda que a conclusão do processo será mais rápida, mas acredita que o julgamento pode demorar mais a acontecer, porque na procuradoria a investigação tende a ser um pouco mais lenta.
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"O Moro tem costume de trabalhar muito rápido com processo, ele tem uma sistemática própria que faz com que os casos sejam mais agilizados, o fato de tudo ser informatizado no Paraná também facilita", disse.
"Na procuradoria, também é informatizado, mas eles têm sua velocidade própria e também têm um número muito maior de processos. Não dá para garantir que a velocidade (da investigação) será a mesma."
Lula tem mais vantagens ou desvantagens com a mudança?
Segundo Luiza Nagib Eluf, a mudança pode ser favorável a Lula. Ela chama atenção para o fato de que alguns ministros do Supremo tenham sido nomeados por Lula e Dilma - dos 11, três foram nomeados por ele e cinco por ela - e tenham dado declarações favoráveis a eles. "Existem alguns ministros mais simpáticos ao presidente Lula e a Dilma. Mas, qual é o dever do julgador? É se manter equidistante e imparcial."
Para Eluf, "tanto o convite de Dilma quanto a aceitação desse convite dá uma sensação de que isso aconteceu para dificultar a aplicação da lei", ao "evitar um juiz especialmente, que se chama Sérgio Moro".
Já para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, Lula tem mais desvantagens ao ser julgado como ministro do que teria sem o foro privilegiado.
"Judicialmente, é pior para ele. Porque depois da decisão do STF, não há como apelar para outra instância porque você já é julgado direto na última", disse à BBC Brasil.
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Serrano também colocou como desvantagem o fato de a Operação Lava Jato estar muito em evidência na mídia, o que pode acabar influenciando o andamento e a conclusão das investigações.
"Acho que o que ocorre aí é que o espetáculo substitui o processo penal. O direito de defesa vira uma maquiagem. São processos que você já sabe o resultado. A narrativa acusatória da mídia se impõe sobre qualquer argumento de defesa", afirmou.
"Não há quase nenhum espaço para a defesa na Lava Jato. Essa relação (da Justiça com a mídia) precisa ser discutida."